segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Depressão infantil e na adolescência

A palavra depressão é usada com grande liberdade. Basta um pequeno problema, uma desfeita, um desencontro emocional, um prejuízo financeiro, para nos declararmos deprimidos. Embora seja empregada como sinônimo de tristeza, tem pouco a ver com esse sentimento.
Depressão é uma doença grave. Se não for tratada adequadamente, interfere no dia a dia das pessoas e compromete a qualidade de vida. Nos adultos, é mais fácil de ser diagnosticada. Eles se queixam e, mesmo que não o façam, suas atitudes revelam que não se sentem bem e a família percebe que algo de errado está acontecendo. Com as crianças, é diferente. Elas aceitam a depressão como fato natural, próprio de seu jeito de ser. Embora estejam sofrendo, não sabem que aqueles sintomas são resultado de uma doença e que podem ser aliviados. Calam-se, retraem-se e os pais, de modo geral, custam a dar conta de que o filho precisa de ajuda.

SINAIS DA DEPRESSÃO INFANTIL:
A criança tem grande dificuldade para expressar que está deprimida. Primeiro, porque não sabe nomear as próprias emoções. Depende do adulto para dar o significado daquilo que se chama tristeza, ansiedade, angústia. Por isso, tende a somatizar o sofrimento e queixa-se de problemas físicos, porque é mais fácil explicar males concretos, orgânicos, do que um de caráter emocional.
Alguns aspectos do comportamento infantil podem revelar que a depressão está instalada. Por natureza, a criança está sempre em atividade, explorando o ambiente, querendo descobrir coisas novas. Quando se sente insegura, retrai-se e o desejo de exploração do ambiente desaparece. Por isso, é preciso estar atento quando ela começa a ficar quieta, parada, com muito medo de separar-se das pessoas que lhe servem de referência, como o pai, a mãe ou o cuidador. Outro ponto importante a ser observado é a qualidade de sono que muda muito nos quadros depressivos.
O que se tem percebido nos últimos anos é que a depressão, na infância, caracteriza-se pela associação de vários sintomas que vão além da ansiedade de separação manifesta quando a criança começa a frequentar a escola, por exemplo, e incluem até de medo de comer e a escolha dos alimentos passa a ser seletiva.
Portanto, a criança pode estar dando sinais de depressão quando a ansiedade de separação persiste e ela reclama o tempo todo de dores de cabeça ou de barriga, nunca demonstrando que está bem.

QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS DO SONO DA CRIANÇA DEPRIMIDA?
Na depressão infantil, o sono começa a ser interrompido por pesadelos e o medo de ficar sozinha faz com que reclame e chore muito na hora de dormir. Não é o choro de quem quer continuar brincando. É um choro assustado, indicativo do medo que está sentindo o tempo todo.

DIAGNÓSTICO:
Na criança, é bem fácil diferenciar a hiperatividade da depressão. Criança hiperativa não para quieta, mexe-se o tempo todo, principalmente os meninos. Entretanto, existe um subtipo de hiperatividade que se caracteriza pela desatenção. A criança não é hiperativa fisicamente, mas não consegue focar a atenção, por isso se retrai e vai abandonando as atividades. Muitos a consideram desligada, mas ninguém a considera uma criança triste.
Ao contrário, criança deprimida logo demonstra que não se interessa por nada e não há brincadeira que a faça sentir-se melhor. Fica parada o tempo todo e quer sempre alguém em que confie por perto.

CRIANÇAS DEPRIMIDAS PERDEM A INICIATIVA?
Perdem a iniciativa e deixam de aprender. Na escola, apresentam várias dificuldades de aprendizado e, num primeiro momento, são encaminhadas para a avaliação do oftalmologista, do otorrino, da fonoaudióloga. Passam também por testes específicos para o déficit de atenção e hiperatividade. No passado, o diagnóstico de depressão era feito por exclusão. Hoje se sabe que sintomas como alterações do apetite e do sono, diminuição da atividade física, medo excessivo, duradouro e persistente, são próprios da depressão infantil.

FATORES DE RISCO:
Como nos adultos, luto, perdas, separação dos pais, dificuldade de adaptação a situações novas, mudança de escola e de domicílio podem gerar estresse, que vai desgastando a criança e conduzindo a um quadro depressivo. No entanto, na maioria dos casos, existe um componente hereditário, genético, mais significativo do que nos adultos, responsável pelo desencadear quadros de depressão na criança.

FILHOS DE PAIS DEPRESSIVOS OU PARENTES PRÓXIMOS COM QUADROS DE DEPRESSÃO CORREM O RISCO DE APRESENTAR O PROBLEMA?
Correm, e a depressão que se inicia na infância, geralmente, é mais grave. Por isso, a criança deve ser tratada o mais rápido possível.

SINAIS NA ADOLESCÊNCIA:
Existe alguma diferença entre o quadro clínico da depressão infantil e da depressão na adolescência?
Existe, principalmente nos meninos, até por fatores culturais. O menino não internaliza as emoções como a menina, que se tranca no quarto e chora. Ele se torna extremamente agressivo, fica na defensiva o tempo todo e sai brigando com o mundo.
Basta alguém lhe dizer bom-dia, para achar que o estão acusando de alguma coisa. Rebelde e desafiador, está permanentemente em confronto. Cria problemas na escola, em casa e entra em conflito com as figuras hierárquicas. Irrita-se com muita facilidade e essas reações, às vezes, são confundidas com algum transtorno de comportamento. Quando se fala aos pais que ele está deprimido, eles reagem: “Como? Se ele tem uma energia para brigar que não tem fim?”.
Na realidade, o adolescente deprimido age como se a melhor defesa fosse o ataque e, se conseguimos ultrapassar essa barreira, ele se mostra muito angustiado e chora.

REAÇÕES DOS PAIS:
Respeitadas as diferenças de cada família, como costuma ser o comportamento dos pais diante de um filho com depressão?
A primeira reação, principalmente se existem outros filhos, é de alívio. “Que bom, como ele é quietinho, não dá trabalho nenhum!”, eles dizem, porque durante o dia não demanda atenção, fica quietinho no seu canto. Todavia, à noite, quando afloram os medos, ele começa a incomodar, porque não quer ficar sozinho, nem deixa os pais saírem de perto. Geralmente, essa dificuldade de desligar-se acaba gerando conflito entre os cônjuges. O pai acha que a mãe está superprotegendo a criança, que está cada vez mais mimada.
O que acontece com a maioria dos filhos? Longe dos pais, da mãe principalmente, eles são ótimos, alegres, comunicativos. Já a criança deprimida fica quietinha num canto, não brinca. Não é que seja muito agarrada à mãe. Mesmo longe dela, mostra-se retraída, quieta.
Os pais têm enorme resistência em entender esse comportamento como doença. A primeira leitura é interpretá-lo como erro de criação e sentem-se culpados. Na grande maioria dos casos, a criança é encaminhada para psicólogos e só depois de um ou dois anos, quando a terapia não resolveu, é que procuram outro profissional.

SUICÍDIO
Muitos adolescentes se suicidam, às vezes, por motivo aparentemente banal, mas no fundo, por trás desse gesto, está a depressão. Quadros de depressão não reconhecida e não tratada podem levar a extremos como esse?
Felizmente, o suicídio infantil é raro, porque a criança tem uma visão diferente da morte. Não a vê como fim do sofrimento. É como se fosse um sono do qual acordará depois.
Na infância, o mais comum é surgir um comportamento que chamamos de parassuicida. Acidentes podem acontecer com todas as crianças, mas com a criança deprimida são frequentes, porque ela não se protege, cai da árvore, é atropelada, arrebenta-se andando de bicicleta. Mal se refez de um, está metida em outro acidente. Parece que nunca aprende a resguardar-se.
Na adolescência, a intensidade dos sentimentos e emoções aumenta. Adolescentes são mais imediatistas e querem resolver rápido a situação que tanto os incomoda. Por isso, num impulso, em momentos de extrema angústia, cometem suicídio. É muito difícil perceber neles uma ideação suicida estruturada e planejada ao longo do tempo.
O que se tem notado, nessa faixa de idade, é a tendência ao envolvimento com gangues. Dão a impressão de que se sentem atraídos pela ideia de morte e, como não têm coragem para matar-se, enredam-se em situações em que um tiro disparado por outra pessoa, será a melhor solução para o problema, já que não têm nada a perder.

TRATAMENTO:
Na infância, é possível controlar alguns casos leves e reconhecidos precocemente com psicoterapia e a orientação dos pais. Entretanto, como a depressão tem um componente genético muito forte, em certos casos, a necessidade de medicação torna-se quase compulsória.
Dúvidas? 
Procure um psicólogo ou médico psiquiatra!


Fonte: Dra. Sandra Scivoletto - Psiquiatra
"Sandra Scivoletto é médica psiquiatra, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, coordenadora do Grupo de Estudos Álcool e Drogas e responsável pelo Ambulatório de Adolescentes do Hospital das Clínicas da FMUSP"

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